Em tempos passados o
normal era que um jovem escolhesse uma carreira e permanecesse nela
até morrer, ainda que ela não lhe desse felicidade, tal como
acontecia também com os casamentos.
Para sempre, até que a
morte os separe.
Uma coisa boa dos
tempos em que vivemos, a despeito de todas as suas confusões, é que
as pessoas descobriram que é possível mudar a direção do vôo.
Nada as obriga a voar
sempre na mesma direção até o fim. Eu mudei minhas direções
várias vezes e não me arrependo.
Meu amigo Jether era um
próspero dentista na cidade do Rio de Janeiro. Estava ficando rico.
Riqueza dá segurança.
Segurança dá tranqüilidade à família. Mas enquanto ele olhava
para o mundo delimitado pelos dentes dos seus clientes, a sua alma
voava por outros mundos!
E foi assim que, num
belo dia, ele resolveu voar.
Chegou em casa e
comunicou à esposa Lucília: “Meu bem, vou vender o consultório”.
E assim, com mais de quarenta anos, voltou para a estaca zero e foi
se preparar para o vestibular… E ele seguiu um caminho feliz!
Está com 82 anos, tem
cara de 60, disposição de 40 e leveza de criança!
Cada profissão
delimita um mundo: há o mundo dos advogados, dos dentistas, dos
engenheiros, dos professores, dos médicos, dos músicos, dos
artistas, dos palhaços, do teatro.
O jovem estudante do
filme Sociedade dos poetas mortos sonhava em ser artista de teatro.
Mas seu pai havia mirado seu arco para a medicina…
Dezoito ou dezenove
anos é muito cedo para definir o que se vai fazer pelo resto da
vida. Esse é um tempo de procuras, indefinições, sonhos confusos.
É normal que, ao meio do curso universitário, o jovem descubra que
tomou o trem errado e se disponha a saltar na próxima estação.
É angústia para os
pais. Claro, porque o que eles mais desejam é ver o filho formado,
empregado, ganhando dinheiro. Isso lhes daria liberdade para viver e
permissão para morrer… Mas não seria terrível para ele – ou
ela – se, só para não “perder tempo”, “só para não voltar
ao início”, continuasse até o fim?
Se não quero ir para
as montanhas, se quero ir para a praia, por que continuar a dirigir o
carro pela estrada que vai para as montanhas?
Pais, não fiquem
angustiados. Sua angústia é inútil. E nem fiquem com a ilusão de
que o diploma dará emprego ao filho. Não dará. Assim é melhor ir
devagar seguindo a direção que o coração manda.
O difícil, para os
pais, será se o filho, no último ano de direito, lhes comunique:
“Descobri que não gosto de Direito. Vou estudar para ser palhaço!”
Aí posso imaginar o embaraço do pai e da mãe quando, em meio a uma
reunião social, quando se fala sobre os filhos, alguém lhes dirija
a palavra e diga: “Meu filho está no Itamarati. Vai ser diplomata.
E o seu?” Resposta: “O nosso está no circo. Vai ser palhaço…”
Cá entre nós: não
sei qual profissão dá mais felicidade, se a de diplomata ou se a de
palhaço…
Rubem Alves
* * *
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