Pais heróis e mães
rainhas do lar.
Passamos boa parte da
nossa existência cultivando estes estereótipos.
Até que um dia o pai
herói começa a passar o tempo todo sentado, resmunga baixinho e
puxa uns assuntos sem pé nem cabeça.
A rainha do lar começa
a ter dificuldade de concluir as frases e dá prá implicar com a
empregada.
O que papai e mamãe
fizeram para caducar de uma hora para outra?
Fizeram 80 anos. Nossos
pais envelhecem. Ninguém havia nos preparado pra isso.
Um belo dia eles perdem
o garbo, ficam mais vulneráveis e adquirem umas manias bobas.
Estão cansados de
cuidar dos outros e de servir de exemplo: agora chegou a vez de eles
serem cuidados e mimados por nós, nem que pra isso recorram a uma
chantagenzinha emocional.
Têm muita
quilometragem rodada e sabem tudo, e o que não sabem eles inventam.
Não fazem mais planos
a longo prazo, agora dedicam-se a pequenas aventuras, como comer
escondido tudo o que o médico proibiu. Estão com manchas na pele.
Ficam tristes de
repente. Mas não estão caducos: caducos ficam os filhos, que
relutam em aceitar o ciclo da vida.
É complicado aceitar
que nossos heróis e rainhas já não estão no controle da situação.
Estão frágeis e um pouco esquecidos, têm este direito, mas
seguimos exigindo deles a energia de uma usina.
Não admitimos suas
fraquezas, seu desânimo.
Ficamos irritados se
eles se atrapalham com o celular e ainda temos a cara-de-pau de
corrigi-los quando usam expressões em desuso: calça de brim? frege?
auto de praça?
Em vez de aceitarmos
com serenidade o fato de que as pessoas adotam um ritmo mais lento
com o passar dos anos, simplesmente ficamos irritados por eles terem
traído nossa confiança, a confiança de que seriam indestrutíveis
como os super-heróis.
Provocamos discussões
inúteis e os enervamos com nossa insistência para que tudo siga
como sempre foi.
Essa nossa intolerância só pode ser medo.
Medo de
perdê-los, e medo de perdermos a nós mesmos, medo de também
deixarmos de ser lúcidos e joviais. É uma enrascada essa tal de
passagem do tempo.
Nos ensinam a tirar
proveito de cada etapa da vida, mas é difícil aceitar as etapas
dos outros, ainda mais quando os outros são papai e mamãe, nossos
alicerces, aqueles para quem sempre podíamos voltar, e que agora
estão dando sinais de que um dia irão partir sem nós.
Martha Medeiros
* * *
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